Era uma rua bem conhecida por mim, estava com o carro estacionado bem em frente à escola pública na qual eu completei todo o meu ciclo primário de educação. Aparentava ser um final de tarde, aproximadamente dezesseis, talvez dezessete horas, o sol não estava mais a pino, estávamos sob a sobra de grandes ipês - arvores características do bairro da minha escola. A via estava cheia de carros estacionados a formarem ângulos de quarenta e cinco graus em relação à calcada. Pouco movimento, o silêncio pairava sob o calmo bairro residencial da tranqüila cidade do interior.
Eu estava dentro do carro, com as portas abertas, sentado na posição fetal, no banco do motorista, ouvindo música e observando a movimentação na rua. Parecia ser uma cena qualquer do meu cotidiano, destas que passam despercebidas na nossa rotina diária e que nosso cérebro nem faz questão de armazenar, entretanto foi que ouvi um estampido. Pelo ruído aberto, seco, alto pude inferir que se tratava de disparo de arma de fogo, virei minha cabeça e vi um rapaz jovem, com uma arma na mão, parecia ser uma pistola automática, estava desengatilhada; havia três crianças a sua frente, todas correndo. Ele gesticulava e falava sobre seu time de futebol, eu não conseguia entender o que queria dizer.
Fui tomado por um leve desespero, senti o cheiro da pólvora entrar pelas minhas narinas, resolvi não sair do carro e correr, pois estava muito próximo a mim, foi então que se aproximou em minha direção lentamente e, rindo, rapidamente engatilhou a arma. Não tive reação alguma, ele apontou a arma e disparou à queima roupa. Deu apenas um tiro certeiro que atingiu a região do meu músculo trapézio – entre o ombro e o pescoço -, bem próximo a minha veia jugular. A primeira sensação que tive foi do forte impacto do projétil no meu corpo, logo depois veio a surdez devido ao ruído do disparo, não conseguia ouvir nada, fui perdendo rapidamente muito sangue, sentia jorrar pelos meus ombros e escorrer pelos braços, a perfuração queimava, ardia, eu tentava controlar a respiração, mas era em vão, parecia um processo sem volta. Eu estava morrendo. Tive certeza de isso estava por acontecer quando começaram as convulsões – os tremores involuntários tomaram conta da metade do meu corpo, sentia calafrios.
Faltavam poucos segundos para o meu suplício, já tinha dado conta de que era o fim – era a minha única certeza, eu iria morrer. Nos poucos instantes que me restavam eu dividia entre me debater pela vida e pensar na certeza da morte. Faltava pouco para eu morrer, estava perdendo os batimentos cardíacos e a visão, estava perdendo as forças e foi quando acordei desesperado.
Assustado, coloquei a minha mão no suposto ferimento e para minha surpresa não estava sangrando, pois bem, eu estava sonhado. Por um instante não queria ter acordado, eu estava quase lá, quase chegando ao fim. Eu queria ter morrido não por motivos pessoais, mas por curiosidade. Foi tão real, cada detalhe, as cenas, as sensações, as imagens que o fim, de algum modo reproduziria uma realidade.
Mais uns segundos e eu saberia a resposta para a pergunta que ninguém pode me responder.