domingo, 27 de março de 2011

O dia em que eu quase morri.




Era uma rua bem conhecida por mim, estava com o carro estacionado bem em frente à escola pública na qual eu completei todo o meu ciclo primário de educação. Aparentava ser um final de tarde, aproximadamente dezesseis, talvez dezessete horas, o sol não estava mais a pino, estávamos sob a sobra de grandes ipês - arvores características do bairro da minha escola. A via estava cheia de carros estacionados a formarem ângulos de quarenta e cinco graus em relação à calcada. Pouco movimento, o silêncio pairava sob o calmo bairro residencial da tranqüila cidade do interior.

Eu estava dentro do carro, com as portas abertas, sentado na posição fetal, no banco do motorista, ouvindo música e observando a movimentação na rua. Parecia ser uma cena qualquer do meu cotidiano, destas que passam despercebidas na nossa rotina diária e que nosso cérebro nem faz questão de armazenar, entretanto foi que ouvi um estampido. Pelo ruído aberto, seco, alto pude inferir que se tratava de disparo de arma de fogo, virei minha cabeça e vi um rapaz jovem, com uma arma na mão, parecia ser uma pistola automática, estava desengatilhada; havia três crianças a sua frente, todas correndo. Ele gesticulava e falava sobre seu time de futebol, eu não conseguia entender o que queria dizer.

Fui tomado por um leve desespero, senti o cheiro da pólvora entrar pelas minhas narinas, resolvi não sair do carro e correr, pois estava muito próximo a mim, foi então que se aproximou em minha direção lentamente e, rindo, rapidamente engatilhou a arma. Não tive reação alguma, ele apontou a arma e disparou à queima roupa. Deu apenas um tiro certeiro que atingiu a região do meu músculo trapézio – entre o ombro e o pescoço -, bem próximo a minha veia jugular. A primeira sensação que tive foi do forte impacto do projétil no meu corpo, logo depois veio a surdez devido ao ruído do disparo, não conseguia ouvir nada, fui perdendo rapidamente muito sangue, sentia jorrar pelos meus ombros e escorrer pelos braços, a perfuração queimava, ardia, eu tentava controlar a respiração, mas era em vão, parecia um processo sem volta. Eu estava morrendo. Tive certeza de isso estava por acontecer quando começaram as convulsões – os tremores involuntários tomaram conta da metade do meu corpo, sentia calafrios.

Faltavam poucos segundos para o meu suplício, já tinha dado conta de que era o fim – era a minha única certeza, eu iria morrer. Nos poucos instantes que me restavam eu dividia entre me debater pela vida e pensar na certeza da morte. Faltava pouco para eu morrer, estava perdendo os batimentos cardíacos e a visão, estava perdendo as forças e foi quando acordei desesperado.

Assustado, coloquei a minha mão no suposto ferimento e para minha surpresa não estava sangrando, pois bem, eu estava sonhado. Por um instante não queria ter acordado, eu estava quase lá, quase chegando ao fim. Eu queria ter morrido não por motivos pessoais, mas por curiosidade. Foi tão real, cada detalhe, as cenas, as sensações, as imagens que o fim, de algum modo reproduziria uma realidade.

Mais uns segundos e eu saberia a resposta para a pergunta que ninguém pode me responder.

sábado, 19 de março de 2011

No come down.




Tem horas que a minha vontade é colocar o player nas músicas do Verve para tocar, ascender o cigarro que nunca fumei, tomar uma Cerveja Müller – que seria minha nova preferida; debruçado no balcão de um pub, respirando toda a fumaça e de preferência sem acesso à luz do dia. Servido pacientemente por garçons oriundos do Leste Europeu, mão de obra barata e bonita e; cercado por pessoas estranhas vagando ao meu lado: policiais assassinos, soldados da guerra-fria reformados, atrizes circenses, ex-padres, cantores líricos e vegetarianos. O horário escolhido seria o agora; medido por bocejos matinais e entregadores de leite puro, casa por casa. O idioma corrente deste círculo seria indecifrável aos comuns; criptografado por pessoas hereges, permeadas por pensamentos insanos, de contestação. A nossa moeda seria a melancolia.


Nunca me senti tão limitado assim, como agora, nesta noite. Estou no lugar errado, na hora errada e na época errada e fazendo coisas tidas como certas.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Tsunami Hits.

Desde pequeno cresci sob a influência nipônica – meu melhor amigo era descendente, membro de uma grande família de japoneses, os Takakura, que vieram para o Brasil na década de 50. Passei minha adolescência a freqüentar aquela casa lotada de costumes estranhos, regada a muita tecnologia, comida insossa, cultura milenar e disciplina nos estudos. Nossa amizade era unida pela curiosidade; ele ficava admirado de como éramos capazes de nos divertimos tanto em tão pouco espaço de tempo e nós admirados com aquele universo deles que não era aproveitado da forma como nós aproveitaríamos.

Foram aproximadamente dez anos de convivência a fio, amizade de moleque, de jogar bola no parque, de ir para escola juntos, de um tempo que não volta mais. O tempo passou, comecei a trabalhar aos dezenove anos, ele foi embora para o Japão seguir o rumo de muitos decasséguis, que tentam acumular dinheiro trabalhando até quinze horas por dia. Perdemos contato, nos distanciamos, mas há dois anos nos encontramos nas redes sociais e soube que retornara ao Brasil.

Atualmente estava me sentindo constrangido em viver, mesmo sendo um cidadão comum, insignificante dentre tantos, que paga seus impostos honestamente, que não tem entraves na justiça, enfim que cumpre fielmente com todas as suas obrigações cívicas.

O simples ato de ir ao supermercado fazer suas compras, depois embalá-las com inocentes sacolas plásticas pode ser motivo para alarmar a população de um possível colapso no sistema de aterro de lixo. Voltar de carro do supermercado trata-se de um pecado sem tamanho, ainda mais quando seu veículo for alimentado com gasolina e tiver um motor potente capaz de consumir muita gasolina. A queima de combustível libera gases tóxicos que aumentam o efeito estufa que acabam aumentando o nível dos mares, aumentando assim as precipitações de maremotos, temporais, furacões.

Até o meu elevado consumo de carne acarreta danos à natureza; quanto maior o consumo, maior o numero de áreas plantadas, em contrapartida maior o desmatamento para pastagens, maiores queimadas. Chegar em casa, tomar um banho para relaxar me faz lembrar dos mananciais que estão sendo sacrificados pelo meu pequeno afago de uns minutos.

Não somos somente culpados por fenômenos naturais, somos culpados pelos sociais, tais como a miséria, esta sim se a causa não foi ocasionada por nós, mas o efeito sem dúvida poderia ser evitado se não fosse o nosso olhar egoísta, indiferente. A violência crescente que só nos damos ao trabalho de nos chocarmos apenas. Ficamos boquiabertos, nos revoltamos por um instante depois nos trancamos nos condomínios e dormimos tranqüilos.

As cenas foram daqueles filmes de terror antigos japoneses, que tinham efeitos especiais grotescos, feitos com isopor e explosões com faíscas pequenas e inundações em cidades de brinquedo. Desta vez era realidade, nada de efeitos especiais, destruição total, devastação, terror, mortes, desolação, catástrofe e palavra que define todo este pensamento: tragédia.

Não só o povo japonês está sofrendo, o mundo todo sofre com esta nação que nasceu para se reconstruir, eles estavam preparados, acreditem. Estavam preparados para morrer e não receberam com tanta surpresa o terremoto e posteriormente as ondas. Nós sim estamos surpresos, estamos pasmos porque o primeiro ministro se pronunciou e não elegeu nenhum culpado. Aqui no deslizamento no Rio de Janeiro os políticos elegeram as chuvas, nunca seriam eles por não retirarem as pessoas das encostas, obvio.

- Mas e aí Japonês, diz quem é o suspeito que a gente pega o malandro? Diria um delegado carioca.

Pois é, não há suspeito, não há culpado, não há sacola plástica para exorcizarmos, desta vez estamos livres, enfim não somos culpados de uma tragédia, deste genocídio. Somos inocentes desta atrocidade. Minha avó diria se tratar do final dos tempos, já eu acredito ser um ciclo natural apenas, como tantos outros que o planeta sofreu nestes quatro bilhões de anos.

Eu estou com a minha consciência tranqüila. Ainda acompanho as notícias com muita atenção e desconsolo, sinto as dores das pessoas, pois ainda tenho boas lembranças desta cultura rica e educada, posso, enfim fazer minhas compras tranqüilo no supermercado sem ser acusado de crime contra a humanidade.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Enquanto isso...


A rotina me consome de tal forma que meu corpo executa todas as suas tarefas diárias por osmose, sem comando algum, mesmo quando se tratar de uma atividade diferente, contudo já executada anteriormente.

O resultado de todo este mecanismo repetitivo é um cansaço descomunal, uma apatia para atividades simples que acabam se tornando um martírio executá-las. O que me levou a este resultado é, sem dúvida nenhuma, a minha mudança de comportamento, a rotina bucólica, o isolamento, a depressão, a subserviência minha para os que convivem comigo, as incertezas...

Qualquer esforço, por menor que seja vem acompanhado de um sonolento bocejo – meu maxilar se alonga ao máximo parecendo querer rasgar as bochechas. O olhar de desdém para escovar os dentes, sentar-se à mesa, tomar banho, fazer a barba, seguem a sina de quem um dia mantinha disciplina militar para fazer qualquer movimento corriqueiro.

Meus dias são encurtados, tenho excelentes noites de sono, me refugio e busco prazer nos sonhos, tento encontrar respostas ou pistas do meu futuro em todos os estágios do sono. Durmo profundamente com ou sem auxílio de remédios, meu corpo está programado para desligar-se automaticamente diante de um sinal de colapso de monotonia. Dormir, agora, trata-se de uma necessidade psicológica, um escape, meu ópio.

Meu ócio não é mais sinônimo de criatividade – como efeito colateral os remédios me trazem perdas na memória recente, tenho dificuldade em me concentrar, as palavras me fogem ao teclado. Sinto falta dos meus textos para me expressar, regurgitar tudo o que estou sentindo, colocar para fora sem entrelinhas, sem ter que explicar o porquê depois de dito. Meus livros foram todos encaixotados, principalmente os de auto-ajuda; agora auto-ajuda são meus textos que escrevi há anos atrás, que os releio e tenho sensações prazerosas graças as lacunas em branco na memória.

Se pudesse definir meu presente numa palavra eu definiria em incerteza. Nada pior para um meticuloso planejador, um prudente tomador de decisões do que não saber onde morará daqui há um mês, com quem trabalhará nesta época, qual universidade freqüentará, que ares o farão se movimentar novamente. A conjunção se, é a única capaz de tirar o meu épico sono. Se somente se eu continuar assim eu vou enlouquecer. A clausura, as procuras por novas atividades, as terapias alternativas, me deixaram estafados. Não há mais recursos, meu corpo fisicamente está perfeito, precisa de combate, excesso de anticorpos, está purificado e a minha mente precisa de realidade, chega de assistir televisão, imaginar o futuro e me refugiar em bocejos.