quarta-feira, 25 de maio de 2011

Café no T.P.I.




Início de dezembro de 2010, o dia começa cedo no T.P.I. (Tratamento psiquiátrico intensivo); aproximadamente 5:45 a.m. ouve-se os gritos frenéticos dos técnicos em enfermagem:

- Café T.P.I, café, olha o café!

As luzes são acesas na medida em que os gritos se tornam mais intensos pelos frios corredores. Sim, isso significava uma ordem; hora de levantar, lavar o rosto e tomar o farto café da manhã: Um pão francês semi-seco dividido em duas partes; todos os internos sonolentos, dopados ainda da medicação da noite anterior. O café preto era distribuído separadamente, juntamente com a medicação, logo cada interno era chamado para pegar seu complemento.

- Dormiu bem fulano de tal.

- Hããã....é....

Acordava, invariavelmente sonolento, acometido pelos mais variadas reações adversas dos remédios. Eu dispensava o café preto, mas fazia questão dos pães, fato este que me motivava a doar o café e tomar meus seis comprimidos das mais variadas formas e cores com meu belo exemplar de pão simplesmente à seco.

- Ó o cigarro T.P.I., cigarro no T.P.I, quem vai fumar, vá se agilizando, - aos berros, gritava o enfermeiro. Cigarro.

Nós éramos divididos em três grupos: A, B e C. O primeiro era dedicado aos depressivos, aos dementes, suicidas; um grupo brando. B, tratava-se de alcoólatras e dependentes de nicotina – resumindo, um grupo de bêbados e fumantes. E por ultimo o menor e seleto grupo C. Este nada mais era do que a soma do A com o B mais o advento da drogadição. Grupo que demandava mais atenção, pois as crises de abstinências eram constantes e as reações mais inesperadas.

O grupo C tinha os remédios mais potentes, as sessões de terapias eram as mais torturantes e as historias de vida muito parecida. Não era a minha realidade e, a cada minuto naquele lugar, eu tinha mais certeza disso. Foi um lapso, um deslize tardio, uma necessidade de algo que não sei explicar, mas não era para mim.

Eu não fumo, mas ficava atônito vendo quem não tinha dinheiro ou familiar para levar cigarro, implorando por um trago, Não sabia o porquê de o cigarro ser liberado numa unidade de terapia e não estava interessado, porque meu grupo tinha outras necessidades bem mais imediatas. O cigarro era autorizado no intervalo das refeições para quem os tivesse.

Eu fiz amizades por empatia, cúmplice de medicação, de atendimentos diários com a equipe medica, dos jogos de dama e das intermináveis alucinações causadas pelos remédios. Adaptei-me ao ambiente; aos poucos fui decorando o nome dos enfermeiros, médicos e afins, já dos pacientes só guardava mesmo os que conversavam comigo e as suas respectivas patologias

Fartos de café e cigarro era hora de esperar; chá de cadeira para a chegada das medicas – cada grupo com a sua respectiva profissional, que na sua maioria eram mulheres e jovens. As filas iam se formando e os conflitos também, eu me esquivava, pois sabia que um deslize acarretaria mais uns dias naquele cárcere. Formavam-se hordas de pacientes sob efeito de sedativos, todos falando com dificuldade, tentando se equilibrar e mesmo nestas circunstancia, trocando estratégias para usar com a equipe médica.

Era chegada a hora de falar com a minha médica: uma sarcástica mulher alva, alta, de nariz afinado e pontudo, corpo saliente e sempre de saias longas. Belos olhos verdes que sabiam exatamente lidar comigo, Nunca encontrei uma profissional assim; talvez seja o acaso, mas ela conseguia exatamente como lidar comigo. Fazia entrar-me em contradição, e enquanto estava calmo perguntava-me o porquê do nervosismo. Cheque-mate. Nunca ganhei uma seção dela, meu poder de persuasão, meu teatro, minha habilidade com a dialética, não eram páreo para aqueles lábios ácidos como limão. Odiava sua risada irônica e a forma como me fazia diminuir apesar da situação. As medicações eram ajustadas de acordo com as minhas reações e, a cada visita, aumentava a miligramagem – as visitas eram diárias e o acompanhamento era em tempo integral.

Era nos passado pelos colegas mais antigos de casa que era feito sempre uma pergunta pela psiquiatra e, de acordo com a resposta ela estipularia a alta médica. Geralmente a pergunta era qual dia numérico era do mês. Ficávamos decorando por minutos, fazendo força para não esquecer, mas fui descobrir depois da internação que quanto mais errar melhor, pois o erro significa que estamos tomando o remédio, a confusão mental é resultado do tratamento.

Foi-me dito que seria uma estada de sete a dez dias, mas com o passar do tempo e dos comentários dos colegas, descobri que esta data fictícia era para tranqüilizar os pacientes no começo, mas na verdade a média era vinte e cinco a trinta dias para o grupo C.

A primeira semana fiquei tranqüilo, pouco me importava com a alta médica, pois os remédios estavam me fazendo bem, mas com o passar do tempo aquela rotina maçante e o fato de me sentir preso me deixava contrariado. Tomava tanto remédio na primeira semana que não conseguia caminhar pela manhã, nós literalmente babávamos em certa circunstância. Com o passar dos dias meu medo aumentava cada vez mais, o poder da equipe médica era total sobre meu tratamento. Não tinha o direito de opinar, sugerir, apenas ficar na expectativa. Estava interditado literalmente.

Recebi visita todas as semanas em que passei internado, isso atenuava o cárcere, mas o que mais me deixava mal era não poder resolver eu sozinho meus problemas e delegá-los aos meus parentes. Custei a aceitar, mas com o passar do tempo, abri mão de tudo, coloquei os problemas no papel e eles tomavam as providencias.

As sessões de terapia eram torturantes, uma incógnita sempre, então mesmo com calmantes para elefante eu não conseguia descansar, ter uma noite satisfatória de sono. Vagava pelas madrugadas dos corredores largos do hospital, deitava no chão, esticava as pernas, ficava à deriva da minha psique alterada, sentindo-me o próprio psicótico que a medica preconizava.

Nunca estava sozinho, sempre havia um de nós pelos corredores; ora procurando por atendimento médico, ora vendo televisão refeitório ou simplesmente conversando com deus. Eu gostava de tomar meus remédios e deitar na varanda, nos imensos bancos de concreto e ficar olhando para o céu sem ser observado, apenas esperando os medicamentos fazerem efeito.

Eu queria sair de lá, sentia-me como uma personagem que fora internada por engano. Não deixava os pacientes com problemas mentais se aproximarem de mim, tinha receio, mas este contato era inevitável e quando acontecia sempre gerava conflitos. Estávamos numa zona sem lei onde todos eram inimputáveis então qualquer tipo de ameaça para comigo era tratada com agressividade; agressividade esta, maculada somente nos picos da medicação.

Fui contido duas vezes; uma para defender meu território e a outra para me defender de ataques psicóticos. Havia algo de especial na medicação que absorvia o medo de nós todos. Éramos seres fortes, que não sentíamos dores, frio, fome, calor, nada. Por se tratar de hospital psiquiátrico não havia objetos que pudessem virar armas, tudo era controlado, por isso fiquei muito tempo sem ver meu rosto. Na primeira oportunidade que tivemos, fomos levados ao pavilhão em anexo, onde ficavam os pacientes em terapia laboral, lá fomos encaminhados ao barbeiro. Pedi para que cortasse todo cabelo da minha cabeça e fizesse minha já comprida barba. Antes, olhei para o espelho e estava irreconhecível.

Durante o tratamento tive diversas crises de choro, solidão, abstinência, agressividade, depressão profunda tudo isso contrastando com cinismo, crises de riso durante as sessões, manipulação, raiva, felicidade, paz interior e uma enxurrada de sentimentos misturados. Longe de ser uma experiência traumática, foram os trinta dias mais inesquecíveis da minha vida - ainda sinto o cheiro das roupas lavadas com sabão em pó industrial da T.P.I.

Em certos momentos chegava a pensar se realmente eu não era um deles, se aquele lugar não era para mim, pois estava diretamente flertando com a minha loucura.

(...) Queria agradecer minha família em especial por proporcionar este tratamento que foi em caráter de último recurso para meu tratamento, logo não posso culpá-los.

domingo, 22 de maio de 2011

Lacrimosa.

Estava tudo transcorrendo bem; final de tarde, clima ameno, dominical, familiar. Sentei para escrever sem compromisso – comecei a pensar aleatoriamente em familiares, mais especificamente na minha mãe e em seguida na minha avó.

Minha arvore genealógica viva.

Senti meus pequenos olhos trêmulos, encherem-se de lágrimas rapidamente. Sem motivo aparente – sem trilha sonora, fotografia, nem fragmento de lembrança que pudesse suscitar meu pranto.

Coloquei-me a chorar, as lagrimas escorriam a revelia, pouco pude fazer – simplesmente deixei-as seguirem seu curso normal, mas tentando encontrar uma razão para este leve desespero. Aos poucos fui me recompondo: as sobrancelhas voltando ao seu tônus natural, olhos sem desespero numa face tranqüila.

Este fenômeno durou o suficiente para encabular minha coragem, esta de querer peitar o mundo em busca da minha felicidade a todo custo, sem pensar nas conseqüências, nas distâncias...

Entre respiração ofegante e brilho nos olhos aspirando um futuro promissor: raízes.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Nem desistir nem tentar... estamos indo de volta para casa...


É com pensamento convencido que vou aos poucos recolhendo minha outrora cansada carcaça, agora recuperada de tanto esforço emocional e colocando-a lentamente nos trilhos de uma rotina já previamente experimentada por mim.

Rotina esta, largada aos flancos, obstruída por uma saída abrupta da minha própria vida – num resgate providencial, executado por um esforço descomunal de várias partes, pus-me recluso.

Deixei meus amigos próximos se cansarem de pedir minha presença, acolhi com atenção os conselhos e anseios dos familiares quanto ao retorno e assim calcifiquei minha decisão: eu vou voltar ao trabalho e conseqüentemente a morar sozinho.

Olho para o espelho pelas manhãs e procuro ver o que mudou nestes cinco meses, o que consegui absorver e o que fora transpirado e a maior lição a que chego é que eu nunca estarei sozinho novamente. Por mais que eu tente, por mais que eu queira, por mais distante que eu vá, quanto maior a quantidade de problemas, sinto que não estarei mais sozinho.

Foi uma oportunidade ímpar na minha vida, tirei férias de mim em três estágios: internação psiquiátrica, terapia intensiva e readaptação familiar. Todos momentos marcantes, experiências incríveis, dignas de início de década. Neste ínterim, era como se eu estivesse sentado numa mesa circular com todos os meus fantasmas e pudesse perguntar o porquê de terem me assombrado tanto.

O destino será o mesmo de cinco anos atrás, a cidade em que me remodelou em quatro anos, desta vez literalmente com mais bagagens, partindo do mesmo ponto, desta vez sem amarras, com menos planos e mais objetivos.

- Conversando com minha querida, lúcida e octogenária avó sobre meu retorno ela com toda sabedoria dizia que me apoiava, apesar de querer que no fundo eu fosse demitido e arrumasse outro emprego aqui na nossa pacata cidade. Lutar contra ordens naturais do universo é algo que não me atrai mais...

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Mal contato.





Toda vez que ligo o meu velho computador, sigo o mesmo ritual: digito uma senha sem nem mesmo saber o porquê de tê-la posto, aguardo pacientemente o cansado hardware iniciar todos os aplicativos, depois vou fechando os desnecessários; abro meu editor de texto e, na seqüência, o player de musicas. Coloco-o para tocar, como sempre, no aleatório, mas noto que o volume está baixo por um problema de contato. Tento corrigir o problema, ouve-se barulhos, estalos das caixas, até que o som se estabiliza.

O ambiente externo pouco me influencia: se dia, noite, frio, calor, companhias ou não. Por razões que desconheço, prefiro as tardes, solidão e o frio para escrever, sempre acompanhado de uma bebida, nem que seja a saliva para não engolir a seco.

Depois de ajustar o cabo de áudio, sento-me novamente, relaxo o corpo deixando-me levar pela musica. Gosto de escrever a esmo quando não tenho algo em mente; também tenho o hábito de visualizar fotos concomitantemente com a escrita. Deste ritual entrelaçavam-se longas conversas pela internet com amigos, horas a fio contemplando uma tela em branco, bebendo, sorrindo e produzindo palavras que me nutriam por muito tempo. Ficava sempre exaurido – raramente terminava de uma única vez e, quando acontecia, depois eu sempre dormia exausto.

De uns tempos para cá, sem tom melancólico, não tenho tido a mesma sensação de prazer e intensidade, como conseqüência disso não tenho produzido mais. Tudo o que eu escrevi neste ano passado, resume-se ao que eu escrevia em dois meses quando em épocas áureas. Algumas coisas me fazem falta, são símbolos, para dizer a verdade, e tenho extrema dificuldade em achar substitutos para estes objetos/pessoas/lugares/sensações/sons/épocas.