Volta às aulas: eu como sempre, sentindo-me vazio - ansioso por assuntos novos para poder relacioná-los com a minha vida e, por conseqüência, digladiar-me noites à fio, até entrar em contradição e achar um motivo para uma mudança brusca de comportamento ou algo que explique o porquê desta busca desenfreada e irresponsável por mudanças.
Era para ser mais uma aula onde o professor coloca seu imponente notebook – de propriedade da mega-estatal da qual faz parte da diretoria executiva –, na velha mesa de madeira, da tão quanto velha sala, sentando-se nas desconfortáveis cadeiras da universidade pública e nos deixando à vontade, apresentando os seminários semanais sobre Teorias Gerais da Administração.
Não na maioria das vezes, mas quase sempre, permanece calado, apenas observando nosso comportamento. Seu olhar intimida, sua posição e seu curriculum também. Demonstra ser uma pessoa realizada profissionalmente, detentora de um grande conhecimento: tanto empírico quanto científico, técnico e global. É um típico executivo; sempre cheio de compromissos, viagens internacionais, cursos, reuniões; dispõe de um aparato exclusivo oferecido somente a uma pequena minoria da empresa; obviamente que tudo por seu mérito.
A disciplina que leciona é interessante: explica o porquê de sermos ricos ou pobres; felizes ou tristes; reativos ou proativos; empregados ou patrões. Demonstra em ordem cronológica de acontecimentos, o surgimento dos problemas nas organizações e posteriormente as suas respectivas tentativas de soluções.
É uma constante muito grande; o que era para ser solução acaba tornando-se um entrave posteriormente, logo, necessitando de outras saídas. Tudo é muito dinâmico – soluções antigas já não servem hoje e novas abordagens vão surgindo, mescladas com as anteriores, sem parar - sempre de acordo com a demanda de problemas.
É interessante como o professor lida conosco: uma mistura de professor com patrão - procura desenvolver o nosso senso crítico; capacidade de iniciativa; estimular trabalho em equipe; questiona, coloca-nos em contradição e exige ao máximo de todos sem exceção – jovens, adultos, homens ou mulheres e, como todo patrão, espera resultados; bons resultados e para isso não poupa críticas.
Tem uma habilidade conceitual impar no tocante à motivação; ele “sente” nossos pontos fracos; arranca isso com perguntas simples tal como:
- Como você se vê daqui a cinco anos? Qual sua melhor qualidade? Qual seu ideal de felicidade, o que é ser realizado para você? Para que quer se formar em Administração?
Dependendo da resposta, ele despeja um considerável balde de água fria na sua cabeça ou se estiver com alguma ferida aberta e notá-la - joga mesmo álcool para queimar, arder até você acordar e refletir - mas ao mesmo tempo, seu lado docente atua como um anestésico e, em seguida, demonstra onde você pode melhorar, quais os seus pontos fortes, os melhores e mais eficientes caminhos a tomar de acordo com seu perfil.
Definitivamente é uma aula de vida, ou melhor, de sobrevivência na selva. Mesmo diante de tantas teorias expostas, abordagens, experimentos, bibliografias, estudos científicos - a decisão sobre qual caminho a tomar é totalmente nossa. O conhecimento de nada servirá se não os colocarmos em prática aquilo tudo que aprendemos em sala.
Este é o nosso diferencial. Seremos os tomadores de decisões. Tanto hoje - enquanto alunos, quanto amanhã - quando profissionais.
Na verdade somos tomadores de decisões, sempre fomos. Tudo gira em torno de escolhas em qualquer esfera das nossas vidas: cada escolha leva a um caminho diferente e este caminho produz um resultado, invariavelmente. Entende-se, então que se tomarmos uma decisão que não produzir o efeito esperado, teremos que retroceder, voltar e fazer outra escolha; demandando mais tempo e dedicação. E é com base nestes conhecimentos adquiridos nas aulas e na vida que encurtaremos ou passaremos várias vezes pelo mesmo caminho até chegarmos a um objetivo que nos satisfaça.
Hoje foi uma aula diferente; poucos alunos devido ao recesso de apenas duas semanas; alguns alunos desistentes e o frio, somado a definição antecipada do grupo que seria o responsável pela apresentação do seminário – de certa forma contribuíram diretamente para a presença reduzida de alunos, pois não havia o risco de serem sorteados novos grupos.
Foi uma aula exemplar, como nunca tivemos antes. Desta vez, os que estavam assistindo a apresentação, ficaram apenas a observar, enquanto o professor tomava a vez e fazia jus a toda sua pompa, com uma didática impecável. Desta vez, sem “patrão” incorporado. Elogios, muitos receberam elogios e dava para ver nos olhos ou nas bochechas rubras o contentamento. Os que não receberam, sentiram indiretamente que, só dependem deles para serem os próximos a serem estimulados.
Desta vez, a temática dos debates foi a importância dos conflitos dentro das organizações; enquanto as outras teorias simplesmente ignoravam, evitavam ou dirimiam os conflitos, desta vez enaltecia a sua importância, mas o foco central da aula era a estrutura das organizações (a necessidade de interação entre todas para atingir o objetivo final) e as suas relações com o ambiente externo.
Eu, fiquei a observar e ouvir atentamente; absorvendo ao máximo cada palavra, comentários, exemplos (usou de vários; simples e objetivos), piada, analogia e tudo o que o professor jogava e nos fazia pensar.
Pensei, pensei muito; tentava não colidir os pensamentos do professor com os questionamentos que tinha. Desta vez me contive, guardei-os para mim, não quis interromper a explicação do professor e preservar as minhas auto-conclusões.
Apesar da serenidade das discussões, peguei um gancho de um questionamento que o professor fez ao grupo que se apresentava – lembro-me que o assunto em tese era planejamento estratégico. A resposta do meu colega suscitou um comentário do professor, no qual ele dizia que para tudo se faz necessário disciplina e, conseqüentemente, abrir mão de algo para não perder o foco do objetivo...
Continuou a apresentação até então, para todos, menos para mim. Eu me desconcentrei, desconcertei, travei - senti uma brecha aberta, uma falha, uma cegueira em mim que estava mascarada pelo meu estilo de vida atual, pelo excesso de elogios alheios e contentamento pessoal limitado.
E que na verdade, esta é a resposta para todas as perguntas sobre o porquê de eu não terminar nada do que começo. Nada.
E destas conclusões tirei uma lição, melhor dizendo, sobreveio-me uma crítica, mesmo que indireta. Eu senti o balde de álcool despejar, mas não sobre uma ferida e sim diretamente nos meus olhos.
Não sou instável como supunha; indeciso, impulsivo ou qualquer sinonimo para pessoas que não sabem o que querem para si – eu sou indisciplinado. Não tenho rotina, minha dedicação para tudo existe, mas é esporádica, quando quero ou realmente necessito, isso serve para qualquer campo da minha vida.
Como não notei isso antes? Como passou despercebido, já que me incomoda tanto ter que responder este tipo de pergunta. Nunca tinha parado para pensar ou nunca ouvi isso da boca de ninguém falando diretamente a mim. Por que não recebo uma crítica construtiva? Não dói tanto quanto imaginam, pelo contrário, se faz necessário. Meses, anos da minha vida são poupados...
Esta é a resposta. Agora está tudo tão claro. E quando me perguntarem por que eu mudei de curso novamente, se já terminei o livro que comecei ler e já desisti ou troquei de título; por que quero ir embora daqui; porque tranquei isso, aquilo; por que não quis namorar - eu direi com toda a certeza e consciência:
- Eu sou o cara mais indisciplinado que eu conheço.
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