quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cotidiano (o meu) II.




Crise nas prisões

Agentes têm mais medo na rua do que dentro das penitenciárias. Eles confirmam que se estão vulneráveis. No domingo, mais um foi morto em Londrina quando estava fora do trabalho.


Imagine como é a pressão sobre um profissional que trabalha diariamente com presos de alta periculosidade. Que podem ser ligados às mais perigosas facções criminosas do País. Em penitenciárias onde a população carcerária é sempre superior ao espaço físico existente, com risco permanente de rebeliões. Tudo isso associado a condições precárias de trabalho, ambiente insalubre e sem a proteção adequada. Este é o dia-a-dia de um agente penitenciário no Paraná. A morte de mais um profissional, no último domingo, em Londrina, instalou um clima de tensão entre a categoria.

Nos últimos três anos, seis agentes foram assassinados em Londrina, denuncia a categoria, que se considera desprotegida mas à mercê de retaliações de presos.

A profissão, considerada uma das mais perigosas do mundo, é uma tensão constante. As ameaças que partem de dentro dos presídios são quase diárias. O clima de insegurança é cada vez mais presente e o agente penitenciário se sente como uma peça vulnerável. Seja na Capital ou no interior, o cenário é exatamente o mesmo.

De acordo com o agente penitenciário em Curitiba e secretário-geral do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná, Ademildo Passos Correia, ameaças veladas acontecem diariamente em todos os presídios do Estado. “Eu sei onde você mora”, “A mesma bala que mata um ladrão mata um policial”, “O senhor não tem um filho que estuda em tal escola?” são frases que os agentes estão acostumados a ouvir dentro dos presídios.

“Para bom entendedor, não precisa falar mais nada. O preso sabe de toda a sua vida. Se precisar te pegar, ele sabe exatamente aonde ir. E esse tipo de ameaça acontece de dentro da cadeia todos os dias. Os presos sabem de tudo. Lá dentro, o preso sabe quem eu sou. E aqui fora também. Ele não esquece o meu rosto. O preso não esquece jamais. Se precisar me pegar, ele vai saber aonde ir”, disse Ademildo.

Esse tipo de situação é constante e se repete dia após dia. Seja em Londrina, em Curitiba, em Cascavel, em Ponta Grossa ou em qualquer outro município. Para Ademildo, a Capital e o município de Londrina são os mais complicados. “Acredito que por conta das facções criminosas que estão instaladas nestes locais é que a situação é mais crítica”, afirmou.

Antônio Alves da Silva, agente penitenciário de Londrina, confirma a situação. “As ameaças são constantes. Faz parte do trabalho. Pelo menos uma vez por semana alguém registra queixa. E isso somente daqueles que fazem boletim de ocorrência. Sem contar os que não registram, que são muitos. Até mesmo a maioria”, contou o agente.

“Os presos não respeitam a gente. Sabem que o Estado não oferece nenhum tipo de segurança e nos ameaçam ali mesmo, na porta da cela. Escutamos coisas do tipo ‘sei onde você mora’, ‘vou te pegar’. Todos vivem em clima de insegurança. Temos hoje 2,2 mil policiais militares em Londrina e nem 500 agentes penitenciários. Nos últimos três anos, nenhum PM morreu e seis agentes foram a óbito. Imagine a proporção”, apontou Silva.

Quando indagado sobre o medo de trabalhar em um ambiente como este, Ademildo, o agente de Curitiba, é categórico. “Medo todos sentem, mas não posso demonstrar isso dentro da penitenciária. Se tem medo não serve para o trabalho. Lá dentro é diferente. Lá dentro me sinto mais seguro do que andando na rua. Na rua, já fui assaltado inúmeras vezes. E lá dentro não. Já passei por rebeliões e, ainda assim, me sinto mais seguro dentro do que fora da penitenciária. Porque lá dentro sei com quem estou lidando e aqui fora, não”, contou.

Na rota de colisão com o preso

Há cerca de um mês, Foz do Iguaçu presenciou um atentado contra dois agentes. O carro onde estavam foi alvejado por 21 tiros. Por sorte, ninguém ficou ferido. “Nós sabemos que essas situações são ordens que partem de dentro da cadeia e isso tem um porquê”, contou secretário-geral do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná, Ademildo Passos Correia.

“O preso quer fumar maconha, tomar cachaça, usar o celular. E nosso dever é proibir isso. É não permitir esses ilícitos. Com isso, entramos em uma rota de colisão. Para os presos, nós somos a repressão. Nosso objetivo é a vigilância e a custódia. Somos preparados para isso. Então, eles nos vêem como a parte ruim. E por isso vem a perseguição”, descreve o agente.

Segundo Ademildo, atualmente, o perfil etário dos presos varia entre 18 e 20 anos. Há 10 ou 15 anos, os presos tinham média de 30 anos de idade. “Eram mais maduros, não tão inconsequentes. Hoje em dia é tudo molecada. Para eles é indiferente matar ou não. E como somos a autoridade na cadeia, é contra a nossa categoria que eles vão agir. Dentro da cadeia promovemos a segurança e a disciplina. Fora dela, somos apenas mais um”, apontou.

Proteção — E a proteção, vem de onde? “Da reza. Pedimos ao anjo da guarda por proteção e torcemos para que ele nos ouça”. Só pedir a Deus por proteção certamente não é o suficiente. A lei federal que concede porte de arma a agentes penitenciários não é adotada no Paraná. E esta é uma briga constante dos agentes. “Diante de um cenário tão caótico, não podemos andar armados porque o governo do Paraná não regulamentou esta lei. É brincadeira”, apontou Ademildo.

Para ele, o Estado não reconhece o trabalho realizado pelos agentes. “Nós estamos pouco protegidos pelo que fazemos. Lidamos com presos dos mais variados. Tem preso com tuberculose, com HIV, com as mais variadas doenças contagiosas e muitos perigosos. Trabalhamos numa escala infeliz de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, sem sábado, domingo ou feriado. E o governo nos trata como se fossemos nada”, apontou.

Reconhecimento — Ademildo gaante que ser agente penitenciário é uma profissão com outra qualquer. “É tão digna quanto um professor ou um médico. Eu faço meu trabalho e saio da penitenciária com a certeza de dever cumprido. Eu cuido daquilo que ninguém quer perto. Sei que presto um serviço importante para a comunidade. A gente é visto muitas vezes como bandido também. Mas o que somos é o elo do preso com o mundo. E, embora estressante, ser agente é gratificante. E a única coisa que queremos é o reconhecimento por este trabalho”, finalizou Ademildo. (FGS)

Sistema operou normalmente.

O Sistema Penitenciário do Paraná não foi afetado dentro da normalidade e com segurança, garantiu o secretário da Justiça e da Cidadania, desembargador Jair Ramos Braga, na tarde de ontem. “Apenas duas unidades foram parcialmente afetadas, mas já retomaram suas atividades”, comentou o secretário, a respeito do movimento realizado por agentes penitenciários que paralisaram o trabalho pelo período da manhã.

A manifestação foi feita pela morte do agente penitenciário Walter Giovani de Brito, que trabalhava no Centro de Detenção e Ressocialização de Londrina, na madrugada de segunda-feira. Outros dois agentes penitenciários estavam na companhia da vítima, durante atentado. O suspeito foi baleado e não corre risco.

Agentes divulgaram que o assassino seria ex-presidiário e que teria cometido o crime por vingança. Porém, ele nunca esteve preso e não tinha passagem pela polícia. Também não há nenhum indício de sua vinculação a algum grupo criminoso, dizia matéria da secretaria na Agência Estadual de Notícias, ontem.

“Nesse caso, como em outros quatro, ocorridos com agentes penitenciários em Londrina, nos últimos cinco anos, os crimes foram cometidos por motivos pessoais, sem qualquer tipo de ligação com a atividade penitenciária, represálias pela função ou de grupos organizados”, salientou Braga.

De qualaquer modo, a Polícia Civil e Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, vinculado ao Ministério Público, investigam as circunstâncias da morte do servidor.
Porte de armas — Os manifestantes reivindicavam o porte de armas para agentes penitenciários. O secretário explicou que “cabe à Polícia Federal conceder a permissão para o uso e porte legal da arma, uma vez que se obedeça todos os critérios exigidos”. Braga afirmou que em casos de agentes que solicitem porte, a orientação da Secretaria é que sejam realizados exames psicológicos e de arma de fogo, conforme previsto na lei. “Não é a Secretaria da Justiça nem o governo do Estado responsável por essa autorização.”

Fazem parte do quadro funcional do Sistema Penitenciário do Paraná 3.379 agentes penitenciários. Desses, 2.370 foram nomeados em concurso público realizado na atual gestão do Governo Estadual. O salário inicial de um agente é de R$ 2.550 e pode chegar a R$ 5.182, um dos mais altos do país.

Protesto em todo o Estado depois da morte em Londrina.

No último domingo, um agente penitenciário de Londrina foi assassinado quando voltava de um restaurante com outros dois amigos, também agentes. O carro onde eles estavam foi abordado por uma motocicleta. O condutor da moto sacou uma arma e disparou contra o agente, que morreu na hora.

O outro agente, que estava do lado, também foi atingido pelos disparos e teve que ser hospitalizado. O terceiro, que estava no banco traseiro do veículo e que portava uma arma de fogo registrada em seu nome, disparou contra o autor do crime. O atirador, mesmo ferido, conseguiu fugir, mas foi capturado instantes depois quando procurava por socorro médico.

O que causou indignação na categoria foi o fato da Polícia Militar ter dado voz de prisão ao terceiro agente por porte ilegal de arma. Apesar de a arma estar legalmente registrada em seu nome, ele não tinha permissão da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (Seju). Ele foi conduzido à delegacia e lá permaneceu até a tarde de segunda-feira, e só saiu depois que outros agentes fizeram uma concentração em frente à delegacia.

A prisão do agente e a morte do outro foi o estopim para que a categoria desse início ao protesto ocorrido, ontem, em todo o Estado, por conta do descaso com que o governo vem tratando a categoria. Além de melhores condições de trabalho, os agentes penitenciários querem que o governo libere o porte de arma para a categoria. O Estado é um dos únicos que não regulamentou o porte de arma aos agentes penitenciários.

De acordo com o Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), agentes de 23 presídios paranaenses de Londrina, Maringá, Guarapuava, Cascavel, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa, Curitiba e Região Metropolitana não trabalharam ontem pela manhã. Com a paralisação, atividades como banho de sol dos presos foram interrompidas e somente os serviços essenciais foram mantidos. No sistema penitenciário do Paraná existem 3,5 mil agentes penitenciários.

O Sindarspen planeja realizar uma assembleia geral da categoria esta semana e não está descartada a possibilidade de greve por tempo indeterminado.

Da tribuna — Para o Deputado Antonio Belinati, que falou ontem da tribuna da assembleia, a Secretaria de Estado da Segurança Pública precisa tomar medidas urgentes. “Esses profissionais são dignos e merecedores de todo o respeito. E hoje, muito mais que o aumento salarial, buscam a segurança que não tem no seu dia-a-dia. É uma profissão do mais alto risco”, apontou. Os agentes tomaram parte das galerias da Assembleia Legislativa, ontem.

Polícia — Mas para a Polícia Civil de Londrina a hipótese de vingança de criminosos contra os três agentes penitenciários não é provável. Ontem, o delegado-chefe da 10ª Subdivisão Policial, Sergio Barroso, declarou que não há, ainda, nenhum indicativo de vingança nos tiros que mataram o agente e feriram outro.

De acordo com Barroso, as circunstâncias exatas do tiroteio ainda estão sendo apuradas. “Os três saíram juntos de um bar por volta da 1 horas, após assistirem o jogo do Brasil e tomarem cervejas”. A polícia trabalha com a possibilidade do confronto ter como causa uma briga de trânsito, ou um desentendimento ocorrido momentos antes no bar. (FGS)

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