Realidade; termo tão ambíguo - etimologicamente falando - ou poderia cometer uma “silabada”: um termo “umbigo”... A realidade para mim é a forma mais individualista de ver o mundo (se é que existe uma visão compartilhada). O que existe, na verdade é o que eu afirmo que existe; ou de forma errônea, é o que eu acho que exista; ou de forma agradável, é o que eu quero que exista; e, por fim, de forma melancólica, é o que eu queria que existisse.
Há tantas realidades diferentes quando saio de dentro do meu mundo – uniformes, sentimentos, costumes, famílias, paradigmas, sonhos, crendices. Tudo que, ao menor contato com a minha realidade, me consome em poucos segundos.
Eu tenho medo das pessoas do lado de fora; tenho medo de ser visto; enxergado; descoberto e morto. - Não me toquem, por favor, eu só vim comprar comida congelada e já estou indo para a minha realidade! - Deixem-me em paz! Entro, tranco minha porta, faço questão de dar duas voltas na chave, entrar no quarto, voltar a verificar a porta e certificar-me de que está realmente trancada.
Ninguém entra – só quem eu aceito; só quem me cativa; só quem força de forma absurda que derruba a porta. O desespero é grande quando isso acontece – pois entro em contato com o desconhecido; com o inesperado – e esta sensação de não ter o controle, de não fantasiar, e ser incluído; ser excluído; ser, ser, ser me corrói.
Pensei em me blindar, ficar imune a datas, pessoas e sentimentos; mas sinto uma necessidade descomunal - uma curiosidade de por a ponta dos pés para fora e sentir cócegas na ponta do dedo; aquela curiosidade infantil, pueril que, ao ser acometido, sou sugado, devorado e despedaçado sem piedade alguma.
O que me alimenta me destrói - a sua realidade me destrói, a do atendente do caixa supermercado, dos meus superiores do trabalho, do menino que pede no sinaleiro, do gerente do meu banco, das pessoas que andam com guarda-chuva vermelho, dos adolescentes indo para a escola ou das crianças que brincam felizes no parque.
Quem precisa receber estes acessórios quando se pode criá-los? Retomo, então, ao meu mundo, a minha realidade: os e-mails; as páginas em branco; meu player me irritando ou me fazendo sorrir; meus livros empoeirados; minha rotina burocrática e todo o conforto emocional que isso me proporciona.
Tenho escrito com uma freqüência menor, pelo que pude inferir, então, não estou sendo consumido. Não sabe como fico depois de terminar um texto: fico seco, anestesiado, sem ter o que falar, sentir...geralmente deito na cama, observo o teto, as horas, durmo satisfeito. Satisfação é a palavra de ordem – reconhecimento também; formalidades à parte: meus parabéns! Imagino como deva estar se sentindo; sinto; penso...imagino. Se for este o motivo da sua secura; aproveite-a e alimente-se de pequenos galanteios e relatos de desconhecidos; assim como este; alimente-se; não se deixe secar na sua totalidade – mesmo que para isso seja necessário três voltas e um grande cadeado na porta da sua casa.
Não me agradeça pelos elogios, pois tirei proveito também – afinal de contas me prende por vários momentos e nada melhor do que a sensação que isso proporciona. Ficar preso à outra realidade sem sofrer as conseqüências na minha pele; no meu peso e no meu apetite.
Sou movido a estímulos também, por isso às vezes me permito colocar a ponta dos pés para fora. Tenho as mais sinceras sensações quando leio ou escrevo para ti; sinto que se colocar o pé pra fora não serei sugado pela realidade; pois não sei se realmente existe; mas é “real”; na nossa realidade, existimos sim e isso é o que me importa.
Mesmo sendo sugados pelas realidades alheias; mesmo ficando em casa no dia dos namorados, não nos encontrando; nós existimos. Mesmo tendo medo de envolvimento, de se entregar, somos reais. Na verdade quem não existe são os outros que, em vez viverem a própria realidade, preferem ser sugados por pessoas de carne-e-osso.
Qual a previsão do tempo para os próximos dias? Furacões, chuvas torrenciais, tempestades, sois de verão, dias nublados...
Aqui dentro será sempre quente e acolhedor; ou frio chuvoso – como melhor me convier; afinal de contas é a minha realidade.
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