Um dos poucos traços não me são inerentes é a agressividade; hoje, por motivos que desconheço e influenciado por fatores da mesma ordem, desabafei.
Poucos dias antes, viajei, descansei, aproveitei cada metro cúbico de oxigênio daquela cidade, a companhia de todos que conheci e agraciei os que já tinha contato. Fiz e desfiz de tudo – literalmente.
Esta noite tive um curto espaço de sono, provocado pela ansiedade de atualizar alguns assuntos pendentes com velhos amigos, uma vontade incontrolável de colocar no “papel” alguns textos, baixar as fotos – assuntos corriqueiros para uma noite qualquer...
O dia de trabalho foi mais um dia de trabalho: a mesma comida, os mesmos problemas, as mesmas discussões sem fim, os mesmos colegas falando das mesmas coisas e todos sempre com as mesmas preocupações.
Final de plantão; assuntos pendentes ainda não resolvidos por incompetência e/ou falta de vontade de outros, mas momentaneamente nada justificava. Por que sou tão complacente com meus colegas?
Montamos uma academia num setor não mais utilizado no presídio – alguns equipamentos ainda estão para chegar mas dos que já chegaram – por doação e por recursos próprios. Eu me identifiquei com um saco de areia – aqueles que pesam torno de cem quilos, todo bem costurado, em couro, pintado na cor vermelho, preso por uma corrente na estrutura metálica de um galpão gentilmente cedido pelo Diretor da unidade para que passássemos a efetuar treinamento técnico/tático. Um ambiente tal qual uma academia de boxe do Bronx, onde se revelaram grandes talentos do pugilismo.
Nunca tive muita afinidade com qualquer tipo de arte marcial ou habilidade na qual proporcionasse contato físico impactante. Técnica zero, apresentei-me diante do alvo. Foram poucos minutos, algumas instruções de colegas experientes para que eu externasse toda minha raiva acumulada de mais de vinte e nove anos de idade num alvo fixo cheio de areia.
De repente apareceu a cara do meu pai no peso; da minha mãe; dos meus familiares; ex-amigos, namoradas, amigos, colegas de trabalho. Meus golpes eram desajeitados no começo, mas fortes, minha técnica aprimorou-se em questão de segundos. Empunhadura, guarda sempre armada, força bruta, bom reflexo e jogo de pernas.
Tudo corria bem até aparecer outro oponente que me intimidou completamente – observava-me fixamente; olhando no fundo dos meus olhos, numa tentativa de me dominar, fitando meus movimentos de principiante, não baixava a guarda e partia para o ataque sem perdão.
Tomei tantos golpes, apanhava como um condenado; aquele que antes tinha as mão calejadas de tanto bater agora recebia duros golpes em todas as partes: da vida profissional, acadêmica e sentimental, familiar e tantas outras frustrações. Golpes duros e impiedosos diretos na minha consciência. Fiquei tonteado por alguns instantes, pensei em desistir mas minha reação foi espontânea e completamente reativa. Esmurrei tudo - com força física, técnica, vontade, raiva, ódio, chutes, cotoveladas, tapas até o oponente ir a nocaute.
Depois da reação, não esboçou reação, caiu desfalecido ao chão, ainda sem o tatame que compramos - estava todo machucado, sangrando, cansado, mal preparado e arrependido. Por que me desafiou desta maneira?
Olhei bem nos seus olhos e me vi lá dentro.
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